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Transporte rodoviário de cargas e a periculosidade aos motoristas

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Praticamente na virada do ano e em pleno recesso forense, foi promulgada a Lei nº 14.766, de 22 de dezembro de 2023 [1], que acrescentou à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) um novo dispositivo na seção das atividades insalubres e perigosas. O Projeto de Lei nº 19.49/2021 [2], que deu origem à referida norma, havia sido anteriormente vetado pelo presidente da República [3]. Porém, houve a derrubada do veto presencial e, posteriormente, comunicação de sua rejeição aposta ao projeto legislativo, sendo este convertido, ao final, em lei ordinária.

E de acordo com a nova regra, ainda que ocorra o transporte de produtos inflamáveis, não será considerada perigosa a atividade ou operação quando as quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio de veículos de carga e de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, for certificado pelo órgão competente [4].

Por certo, o assunto é de grande importância e relevância na área laboral, e, mais, considerando que a novidade legislativa surgiu pouco depois do início do recesso judiciário, o tema foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista da revista eletrônica Consultor Jurídico [5], razão pela qual agradecemos o contato.

Risco acentuado e o adicional de 30%
Com efeito, é cediço que quando o trabalho for desenvolvido em condições que impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a produtos inflamáveis, o(a) trabalhador(a) terá direito à percepção do adicional de 30% sobre o seu salário [6].

Sob este aspecto, do ponto de vista normativo no Brasil, a Norma Regulamentadora nº 16 (NR-16) [7] contém as definições e procedimentos para o pagamento do adicional de periculosidade, assim como trata especificamente das atividades perigosas.

Nesse diapasão, referida norma regulamentadora assim define o item 16.6: “As operações de transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos, em quaisquer vasilhames e a granel, são consideradas em condições de periculosidade, exclusão para o transporte em pequenas quantidades, até o limite de 200 (duzentos) litros para os inflamáveis líquidos e 135 (cento e trinta e cinco) quilos para os inflamáveis gasosos liquefeitos”.

Entrementes, sabe-se que a última modificação na NR-16 foi feita por meio da Portaria SEPRT nº 1.357, de 9 de dezembro de 2019 [8], e que foi aprovada na ocasião a inclusão do subitem 16.6.1.1, com a seguinte redação: “Não se aplica o item 16.6 às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustível originais de fábrica e suplementares, certificados pelo órgão competente”.

Lição de especialista
A respeito do tema, oportunos são os ensinamentos da auditora fiscal do Trabalho, doutora Mara Queiroga Camisassa [9]:

“As substâncias inflamáveis podem ser líquidas ou gasosas. A NR 16 não estabelece o conceito de inflamável, definindo apenas o conceito de líquido combustível. (…).

Não são consideradas perigosas as atividades de transporte de inflamáveis em pequenas quantidades, até os limites: inflamáveis líquidos: 200 litros; inflamáveis gasosos liquefeitos: 135 quilos.

Observação importante: A quantidade de inflamáveis, contidas nos tanques de consumo próprio dos veículos e nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, certificados pelo órgão competente, não será considerada para fins de periculosidade. Segundo a Resolução nº 181/05 do Conselho Nacional de Trânsito, tanque suplementar é aquele instalado no veículo após seu registro e licenciamento para uso de combustível líquido dedicado à sua propulsão ou operação de seus equipamentos especializados”.

Controvérsia
Ocorre que, não obstante as alterações sofridas pela NR-16, muitos motoristas buscaram perante a Justiça do Trabalho a percepção do adicional de periculosidade, justamente pelo fato de realizarem o transporte de produtos inflamáveis sob determinadas condições, de modo que os entendimentos junto ao Tribunais Regionais do Trabalho sempre foram controvertidos. Aliás, o próprio Tribunal Superior do Trabalho já foi provocado a emitir um juízo de valor sobre a temática, sendo que até mesmo no âmago da Corte de Vértice Trabalhista o assunto não era pacificado.

De um lado, em observância ao julgamento proferido pela 4ª Turma do TST [10], o adicional de periculosidade era devido na hipótese de o veículo possuir um segundo tanque, original de fábrica ou suplementar, com capacidade superior a 200 (duzentos) litros, mesmo para consumo próprio.

Não se aplicava a exceção descrita no subitem 16.6.1 [11] da NR 16. Em seu voto, a ministra melatora destaca:

Esta Eg. Corte, interpretando a referida norma, considera devido o adicional de periculosidade ao motorista que conduz veículo equipado com tanque de combustível suplementar, em quantidade superior a 200 litros, ainda que utilizado para o próprio consumo”.

Lado outro, a 5ª Turma do TST proferiu decisão em sentido contrário, sustentando que a temática ganhou um novo enfoque a partir da publicação da Portaria SEPRT nº 1.357/2019 [12], conforme ponderou o ministro relator:

Depreende-se da referida alteração da NR-16 que o Poder Executivo, responsável pela classificação de atividade perigosa, passou a excluir, de forma expressa, o transporte de inflamáveis em qualquer quantidade contida nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, desde que certificados pelo órgão competente. Significa dizer que as quantidades de combustíveis constantes nos tanques suplementares originais de fábrica dos caminhões não traduzem periculosidade ao trabalho do motorista empregado, sendo indevido o respectivo adicional. A operação só será considerada perigosa se os tanques originais de fábrica e suplementares não possuírem o certificado do órgão competente, expondo o trabalhador ao risco de explosão”.

Conclusão
Portanto, ao que parece, a recente Lei nº 14.766/2023, que incorporou as especificações da NR-16, tem por objetivo findar ao debate e pacificar o entendimento junto aos tribunais sobre o tema.

Em arremate, considerando-se a vigência da nova legislação desde o dia 22/12/2023, certamente haverá discussão quanto à sua aplicabilidade e os seus efeitos no tempo, ou seja, se impactará imediatamente os contratos de trabalho em curso ou somente valerá para os novos pactos ajustados após a edição da norma. Tal discussão, aliás, está hoje em pauta no âmbito do TST que julgará, muito em breve, recurso de revista repetitivo sobre o direito intertemporal em torno da aplicação da Lei da Reforma Trabalhista que, tal como ocorreu com a Lei nº 14.766/2023, promoveu relativa modificação “in pejus” a certos direitos trabalhistas previstos na legislação celetária.

[1] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14766.htm. Acesso em 30.01.2023.

[2] Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2284566. Acesso em 30.01.2024.

[3] Disponível em https://www.congressonacional.leg.br/materias/vetos/-/veto/detalhe/16049. Acesso em 30.01.2024.

[4] Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (…) § 5º O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio de veículos de carga e de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, certificados pelo órgão competente, e nos equipamentos de refrigeração de carga.

[5] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[6] CLT, Art. 193. (…).  § 1º – O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.

[7] Disponível em https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/comissao-tripartite-partitaria-permanente/normas-regulamentadora/normas-regulamentadoras-vigentes/norma-regulamentadora-no-16-nr-16. Acesso em 30.01.2024.

[8]Disponível em http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=10/12/2019&jornal=515&pagina=66&totalArquivos=181. Acesso em 30.01.2024.

[9] Segurança e Saúde no Trabalho: NRS 1 a 37 comentadas e descomplicadas-7ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2021. Página 455 e 456.

[10] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=21354&digitoTst=65&anoTst=2016&orgaoTst=5&tribunalTst=04&varaTst=0202&submit=Consultar. Acesso em 30.01.2024.

[11] 16.6.1 As quantidades de inflamáveis, contidas nos tanques de consumo próprio dos veículos, não serão consideradas para efeito desta Norma.

[12]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=373&digitoTst=83&anoTst=2020&orgaoTst=5&tribunalTst=09&varaTst=0671&submit=Consultar . Acesso em 30.01.2024.

Fonte Consultor Jurídico

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