O carro adiante dos bois ou O trem adiante dos trilhos
A compra dos trens que vão dar aos moradores do subúrbio de Salvador um moderno modal de transporte público inaugura um novo tempo na relação entre Estados, a revelar uma preocupação elogiável dos gestores com o dinheiro público.
Essa foi a 1ª mediação técnica entre Estados realizada pela SecexConsenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos) pelo TCU (Tribunal de Contas da União), realizada com esta finalidade.
Pelo pactuado e assinado pelos governadores da Bahia e do Mato Grosso, ficou acordado que o governo baiano comprará 40 composições de trens, com 7 vagões cada, equipamentos necessários à instalação do VLT aqui em Salvador. Um investimento substancial para um setor tão carente na vida de uma camada menos assistida da capital baiana.
De acordo com o governo, serão investidos R$ 820 milhões para a compra e a previsão é efetuar o pagamento em quatro parcelas anuais, iniciando ainda em 2024.
A CAF, fabricante dos trens, fará o restabelecimento técnico-operacional das máquinas. A revisão envolve o conserto ou substituição de borrachas, baterias, pintura e demais acessórios que tiverem sofrido “alguma avaria” ao longo do tempo.
Segundo o governo da Bahia, o acordo possibilitou uma economia de 37,5% em cada VLT, se comparado com os valores cobrados pela fabricante ROTEM. Já em comparação com outro fabricante, a Alstom, a economia total chega a mais de R$ 350 milhões.
Outra vantagem, segundo o governo, é o prazo de entrega. A previsão de receber o primeiro trem é de até 12 meses, metade do tempo previsto se fosse realizada uma compra na ROTEM.
Testes diários na parte elétrica, material rodante e equipamento em geral estariam sendo feitos ao longo desses mais de 10 anos que os equipamentos estão estacionados no Mato Grosso a espera dos trilhos que nunca chegaram nem chegarão.
Todo o processo de venda feito sob as bênçãos do Tribunal de Contas da União e do Tribunal de Contas do Estado, aqui da Bahia, afasta qualquer risco, ao menos visível, de irregularidade na negociação, cuidado que o governador Jerônimo Rodrigues fez questão de ter, para evitar as más línguas, mas que não esconde uma curiosidade minha: por que os gestores públicos se apressam tanto em comprar os equipamentos, nesse caso os trens, antes de se bater um prego onde serão instalados os trilhos, base de tudo?
Recorrendo a um dito popular: por que essa mania de colocar o carro adiante dos bois ou o trem adiante dos trilhos?
O melhor exemplo vem do próprio Mato Grosso, agora repicado pela Bahia. Lá, nem 10 metros de trilhos haviam sido implantados e os trens já tinham chegado e lá estavam, estalando de novos. Deu ruim o projeto por lá, que acabou judicializado e o Estado teve de ficar com essa bomba, só agora, 12 anos depois, conseguiu a quem passar adiante, nesse caso, a Bahia. Está bem que se fale em boa conservação e manutenção das “locomotivas” como antigamente chamadas as precursoras do VLT, mas queiram ou não estamos queimando etapa e correndo risco.
12 anos foi o tempo que se passou desde a encomenda, compra e armazenamento dos trens. E me vem uma questão: quanta tecnologia pode ou poderia ter sido embarcada nesses equipamentos nesse período? Por mais que o fabricante se comprometa a trocar as borrachas das portas ou, sei lá, os limpadores de pára-brisa, mas estamos falando de novas tecnologias, componentes eletrônicos, avanços no segmento de frenagem e de segurança como um todo. Afinal, uma década é uma década, e neste caso uma década e mais uns aninhos.
Tenho um carro esporte que tem essa idade, 12 a 13 anos, e vou pegar só um detalhe nele: meu som é abastecido pelos saudosos CDs, aqueles vendidos na sinaleira por ambulantes derrotados. Hoje tudo vem de um celular onde um aplicativo chamado spotfy permite ao felizardo fazer o play list e ouvir exatamente o que quer, não dependendo do gosto duvidoso daquele ambulante dos CDs.
Pois é, o tempo passa!
A propósito, voltando à realidade, você sabe onde encontro um daqueles ambulantes com os tais CDs? Como disse, meu som não comporta essas “modernagens” de hoje, mesmo o carro tendo rodado pouco mais de 10 mil km nesses 12 anos.
Paulo Roberto Sampaio é diretor de Redação da Tribuna.
Fonte TRBN