Monofasia do ICMS auxiliou no combate à sonegação, mas complexidade tributária permite práticas ilícitas que distorcem preços ao consumidor, escreve Fabio Florentino
Em razão da edição da Lei Complementar nº 192/2022, a qual instituiu a monofasia do ICMS sobre diversos combustíveis, como o diesel, biodiesel, etanol anidro, gás liquefeito de petróleo e a gasolina, e da Lei Complementar nº 194/2022, que nivelou em 18% as alíquotas cobradas sobre esses produtos nas 27 unidades da Federação, a sistemática de tributação do ICMS ocorre de forma padronizada no território nacional.
Por conta disso, atualmente, o sistema tributário não tende a gerar relevante assimetria entre as diversas empresas que atuam no setor de combustíveis.
Por outro lado, a atuação de empresas do setor que operam na “ilegalidade”, como, por exemplo, as que sonegam tributos, simulam operações, dentre outras práticas irregulares, resulta em relevantes distorções de preço final dos combustíveis.
Isso porque, considerando que o setor de combustíveis tem uma carga tributária bastante elevada, um concorrente que opera fora do campo da legalidade, portanto, sem recolher os tributos devidos ao fisco, terá, evidentemente, um relevante ganho de competitividade, eis que facilmente conseguiria trabalhar com um custo muito inferior ao praticado pelo seu competidor regular.
Nesse sentido, tais distorções sobre as práticas tributárias inadequadas podem fazer com que o competidor que opera na ilegalidade inviabilize a atuação do contribuinte cumpridor de suas obrigações tributárias, haja vista que terá uma relevante redução do seu custo tributário.
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Desvantagem competitiva
Além de redução do custo do tributo em si, ainda deve ser considerado que o competidor que opera na legalidade tem muitas obrigações tributárias acessórias a serem seguidas e, com efeito, gastos regulares com o atendimento a essas regras, ao passo que o player irregular sequer tem que se preocupar com documentação contábil e fiscal, o que também resultará em redução de custos.
Logo, além de problemas com reputação do setor, qualidade do produto colocado à disposição do consumidor, entre outros prejuízos, a ausência do atendimento às normas tributárias implica disparidade de competição e migração do mercado para o combustível ofertado a um preço menor e, por consequência, à redução da participação no mercado do contribuinte cumpridor de regras fiscais.
No que concerne à falta de punibilidade dos sonegadores, bem como dos devedores contumazes, apesar de atualmente os fiscos terem melhores instrumentos de fiscalização e cobrança de tributos, ainda é possível conviver com dívidas tributárias durante longos anos, através dos processos administrativos e judiciais intermináveis.
Toda a complexidade do sistema tributário vis-à-vis a existência de sonegadores e devedores fiscais contumazes cria o paradoxal do direito tributário nacional, pois, de um lado se deve proporcionar o direito do contribuinte se defender quando indevidamente compelido ao pagamento do tributo e, de outro lado, esse mesmo processo de defesa ajuda o devedor contumaz e não pagar suas dívidas fiscais.
Solução para fraudes demanda simplificação
Dentre outras razões, também para fins de se resolver as fraudes tributárias no setor de combustíveis, é necessária a simplificação do sistema tributário nacional. Em sendo o sistema realmente simples, menor tende a ser a fragilidade do atuante de boa-fé, assim como menor deve ser a possibilidade de o devedor/sonegador se apoiar em subterfúgios processuais para não pagar suas dívidas.
Vale ressaltar que, a partir da implementação da reforma tributária sobre o consumo, atualmente em discussão no Congresso Nacional, é esperado que haja simplificação do nosso sistema tributário e, consequentemente, maior diferença entre contribuintes de boa-fé e aqueles que trabalham de forma indevida.
Além das fraudes tributárias, o setor de combustíveis também é vulnerável a outros tipos de fraudes, como, por exemplo, adulteração de combustíveis, bomba baixa etc. Assim, o combate a desvios fraudulentos envolve dois pontos cruciais: a fiscalização e a efetividade na punição. Se qualquer um desses dois pilares deixa de funcionar efetivamente não há como se impedir as práticas desonestas.
Se a fiscalização é falha, o agente vai trabalhar dentro do campo estatístico e, portanto, fora da legalidade. Do mesmo modo, se o agente sabe que ainda que seja pego, conseguirá escapar de cumprir sua pena, também pesará o “custo x benefício” de seguir operando em desacordo com as regras aplicáveis.
Por fim, embora a instituição do regime monofásico do ICMS sobre os combustíveis pela Lei Complementar nº 192/2022 tenha auxiliado no combate à sonegação fiscal – na medida que concentra o recolhimento do tributo devido na cadeia de consumo de combustíveis em menos agentes do mercado e o tira da mão do agente de má-fé –, ainda sim, a complexidade do sistema tributário nacional permite a adoção de práticas que reduzem o pagamento de impostos, especialmente quanto ao ICMS, de forma a gerar concorrência desleal no setor.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
Fonte EPBR