Segundo o Relatório 2023 da Previdência Complementar Fechada, publicado em maio de 2024 pela Previc [1], o Regime de Previdência Complementar Fechada encerrou o ano de 2023 com um ativo total de R$ 1,28 trilhão, representando, na ocasião, aproximadamente 12% do Produto Interno Bruto (PIB).
Além disso, foi concluído que os planos fechados de benefícios de previdência complementar contemplam 8 milhões de pessoas, sendo 1 milhão de beneficiários, 3 milhões de participantes ativos, e mais 4 milhões de designados que estão incluídos no regime devido ao grau de parentesco ou dependência econômica em relação aos titulares dos planos.
Nesse contexto, são três as principais modalidades de planos de benefícios de previdência complementar, conforme mencionado no artigo 7º, parágrafo único, da Lei Complementar nº 109/2001: benefício definido, contribuição definida e contribuição variável. O foco aqui reside na modalidade benefício definido, em que o participante adere ao plano sabendo o valor de seu benefício, mediante o aporte de contribuições necessárias ao respectivo custeio.
O fato é que seja por razões conjunturais ou não, alguns planos de benefício definido de importantes entidades fechadas de previdência complementar tiveram resultados deficitários ao longo dos últimos dez anos, acionando o gatilho do equacionamento de déficits previsto no § 1º, do artigo 21, da Lei Complementar nº 109/2001.
O dispositivo em questão arrola exemplos de mecanismos aptos a combater os déficits, sendo mencionados o aumento do valor das contribuições, a instituição de contribuição adicional e a redução do valor dos benefícios a conceder.
Ocorre que o § 2º, do mesmo artigo 21, estabelece que a redução dos valores dos benefícios não se aplica aos assistidos, sendo cabível, nesse caso, a instituição de contribuição adicional para cobertura do acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano.
Consequentemente, as entidades fechadas de previdência complementar passaram a utilizar muito a contribuição adicional, também chamada de contribuição extraordinária, denominação esta prevista no artigo 19, inciso II, da Lei Complementar nº 109/2001.
Incidência de IR
Direcionando a atenção agora para o aspecto tributário, cabe referir que são dedutíveis da base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) “as contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social”, nos termos dos artigos 4º, inciso V, e 8º, incisos I e II, alínea “e”, da Lei nº 9.250/1995.
Acrescenta-se que tal dedução é limitada a 12% do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos, conforme o artigo 11, da Lei nº 9.532/1997.
Foi então editada em julho de 2017 a Solução de Consulta Cosit nº 354, no sentido da não dedutibilidade das contribuições extraordinárias da base de cálculo do IRPF, de modo que, na visão do fisco federal, a mencionada dedução legal, limitada a 12% dos rendimentos tributáveis, seria destinada apenas às contribuições normais (ordinárias).
Tema 171 da TNU
Como reação a esse entendimento os contribuintes ingressaram em massa com ações individuais que tramitaram nos Juizados Especiais Federais de todo país, até obterem a uniformização de jurisprudência favorável na Turma Nacional de Uniformização (TNU).
Em acórdão publicado em 9/11/2018, a TNU definiu tese jurídica classificada como Tema 171, segundo a qual as contribuições do assistido destinadas ao saneamento das finanças da entidade fechada de previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto sobre a renda, mas dentro do limite legalmente previsto (artigo 11 da Lei nº 9.532/97).
Com a jurisprudência estabilizada, mas sem a edição de uma instrução normativa que regularizasse a questão por parte da Receita Federal, os contribuintes permaneceram ingressando em juízo, mas agora com a segurança de que seu pleito muito provavelmente seria atendido.
1ª e 2ª Turmas do STJ
Ocorre que em setembro de 2023 uma ação que não havia tramitado no Juizado Especial Federal acabou sendo levada a julgamento pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, através do Agravo em Recurso Especial nº 1.890.367–RJ [2]. E novamente, a exemplo do que já havia feito a TNU, foi decidido, à unanimidade, pela dedutibilidade das contribuições extraordinárias, dentro do limite de 12% dos rendimentos tributáveis.
Afinal, segundo a 1ª Turma, os dispositivos acima referidos que tratam da dedutibilidade não trazem qualquer diferenciação entre as espécies de contribuições pagas pelos participantes ao plano de previdência privada — normais ou extraordinárias, sendo que a única exigência legal é de que essas sejam “destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social”.
E quando a situação estava assentada, e a tão almejada segurança jurídica parecia garantida, em novembro de 2023 chegou à 2ª Turma do STJ o Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.991.567-RN [3], contendo entendimento oposto ao da 1ª Turma. Efetivamente, foi decidido à unanimidade, que apenas as contribuições normais (ordinárias) são dedutíveis da base de cálculo do IRPF, não se estendendo tal possibilidade às contribuições extraordinárias, sob pena de violação do artigo 111 do Código Tributário Nacional, o qual exige interpretação literal dos dispositivos que tratam de outorga de favores fiscais.
Logo depois, em dezembro de 2023, a 1ª Seção do STJ, por unanimidade, decidiu afetar o Recurso Especial nº 2.051.367–PR [4], que trata da mesma matéria, ao rito dos recursos repetitivos, e suspender a tramitação dos processos pendentes em todo o território nacional.
Respeitando-se muito o posicionamento da 2ª Turma do STJ, cabe-nos ponderar que a interpretação literal da regra de dedução tributária favorece os contribuintes. Afinal, os artigos 4º, inciso V, e 8º, incisos I e II, alínea “e”, da Lei nº 9.250/1995, habilitam à dedução as “contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no país, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social”.
Como se vê, a lei específica, ao utilizar o vocábulo “contribuições”, em nenhum momento limita às contribuições normais (ordinárias) o contexto da dedutibilidade, não podendo a Receita Federal, por meio de solução de consulta, limitar onde o legislador não o fez.
E a análise do ministro Gurgel de Faria, da 1ª Turma do STJ, foi cirúrgica, quando do julgamento do referido Agravo em Recurso Especial nº 1.890.367 – RJ, ao referir que extrai-se da literalidade dos referidos dispositivos legais que todas as contribuições destinadas à constituição de reservas, sejam elas classificadas como contribuição normal ou extraordinária, têm como objetivo final o pagamento dos benefícios de caráter previdenciário.
Complementa o eminente ministro, afirmando ser inviável admitir que os valores vertidos pelos participantes, em razão da constatação de que as reservas financeiras do fundo estão deficitárias e devem ser recompostas, possam ter função outra se não a garantia de que o benefício acordado será devidamente adimplido.
O voto do ministro Gurgel de Faria está em plena consonância com a função primordial das entidades fechadas de previdência complementar, que é pagar os respectivos benefícios, cujo custeio se dá, inquestionavelmente, através de contribuições normais (ordinárias) e extraordinárias.
Por fim, é prudente questionar se o julgamento que será oportunamente realizado pela Primeira Seção do STJ, classificado como Tema Repetitivo nº 1.224, será o último capítulo da controvérsia acima abordada, ou ainda veremos o alongamento da discussão perante o Supremo Tribunal Federal?
[1] https://www.gov.br/previc/pt-br/publicacoes/relatorio-de-estabilidade-da-previdencia-complementar-rep/relatorio-2023-da-previdencia-complementar-fechada-maio-2024.pdf/view Acesso em 06/09/2024 às 11h35min.
[2] AREsp n. 1.890.367/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 13/9/2023.
[3] AgInt no REsp n. 1.991.567/RN, relator ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, julgado em 9/11/2023, DJe de 17/11/2023.
[4] ProAfR no REsp n. 2.051.367/PR, relator ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, julgado em 28/11/2023, DJe de 5/12/2023.
Fonte conjur