Idosos no trânsito: quando parar de dirigir?

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Não é uma tarefa simples determinar para um familiar a hora de deixar a direção. Especialistas dizem que é preciso sensibilidade para não antecipar a situação

Com o aumento da expectativa de vida da população, identificar o momento para um idoso parar de dirigir não é uma tarefa simples. A família precisa ter sensibilidade para não antecipar essa situação. Segundo especialistas, ser impedido de conduzir um veículo pode representar uma espécie de “luto” para a pessoa.

Diminuição das capacidades visual e auditiva; reflexos mais lentos e dificuldades de mobilidade são alguns sinais de alerta. A decisão passa especialmente por uma avaliação da Medicina do Tráfego. Porém, a legislação brasileira não estipula uma data-limite para o condutor parar de dirigir. 

Além disso, nem todos os idosos enfrentam alguma dificuldade na direção. Muitos estão com suas condições físicas e cognitivas em perfeito estado. Aos 83 anos, Maria Helena Meyer não pensa em parar de dirigir tão cedo. Ela começou a guiar na década de 1950, quando o pai comprou um carro. Na época, pegava o volante de vez em quando, até tirar a carteira de motorista.

— Dirigir faz parte da minha vida. São outras pernas que tenho — afirma Maria Helena, que trabalhou como jornalista, está no segundo casamento, tem três filhos (do primeiro matrimônio), seis netos e um bisneto.

A jornalista diz que dirigiu a vida toda, que gosta e nunca pensou em parar.

— Claro que agora eu tenho mais cuidado. Acredito que, por ser mais cuidadosa, não digo que dirija melhor, mas dirijo com menos risco — analisa.

Um dos motivos para seguir dirigindo é que Maria Helena tem dificuldades para caminhar. Em caso de necessidade, dirige à noite, mas evita por se sentir insegura. O motivo foi uma cirurgia de catarata nos olhos. 

Dirigir faz parte da minha vida. São outras pernas que tenho.

MARIA HELENA MEYER

Jornalista

Psicóloga recomenda que a família evite o zelo demasiado e procure outras soluções antes de impedir o idoso de dirigir de forma definitiva.Duda Fortes / Agencia RBS

Para ela, até quando o carro fica na oficina para revisão ou algum conserto já representa uma situação difícil. Ou seja, deixar de dirigir e abrir mão de sua independência, está fora dos planos imediatos

— Espero que quando chegar esse momento (de parar de dirigir), se chegar, eu saiba discernir que é hora de parar. Vai ser muito difícil — prevê.

Família e a importância de dirigir para o idoso 

A psicóloga Michele Klotz da Rosa, que possui mestrado em Gerontologia e é doutoranda em Psicologia pela PUCRS, dá dicas para os familiares sobre como proceder em relação ao momento de o parente idoso deixar de dirigir (confira as sugestões mais abaixo). 

A especialista recomenda que a família evite o zelo demasiado e procure outras soluções antes de impedir o idoso de dirigir de forma definitiva.

— Eu digo que é sempre impactante perder uma habilidade que você conquistou ao longo da vida. Mas vai ser maior ou menor dependendo do papel que essa direção desempenha na vida das pessoas — pondera.

Perder a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) é mais um luto para essa pessoa.

MICHELE KLOTZ DA ROSA

Psicóloga

De acordo com a psicóloga, outro impacto percebido quando a pessoa perde a possibilidade de dirigir, diz respeito à autonomia. 

— Autonomia pressupõe a gente estar bem com a nossa função cognitiva e o humor. Se o dirigir me trazia muita independência, existe uma tendência de eu me deprimir. E ao afetar o humor vai começar a atingir a minha autonomia também — reflete Michele. 

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A psicóloga destaca que é necessário a família identificar se o caso envolve o idoso não ter mais condições de dirigir, ou se a situação é reversível. Ela cita exemplos para auxiliar a pessoa.

— Vemos muito em outros países, o que ainda não é comum no Brasil, a reabilitação para dirigir, como adaptação do veículo ou ter um acompanhante ao lado — sugere.

Impedir que a pessoa dirija pode se tornar um grande problema, especialmente em termos de independência pessoal.

— Perder a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) é mais um luto para essa pessoa. Na cabeça do idoso que sempre dirigiu e se locomoveu usando carro, é abdicar de encontrar os amigos, fazer o mercado e ir ao médico. É um processo muito doloroso — revela. 

Perceber os sinais

Para o presidente da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego do RS (Abramet-RS), o médico Ricardo Hegele, há sinais que indicam quando a pessoa apresenta alguma dificuldade em dirigir.

— Com o passar da idade, a pessoa vai perdendo a capacidade visual, auditiva, os reflexos se tornam mais lentos, a mobilidade se torna mais difícil. Esses são os primeiros sinais para que a pessoa tenha um alerta sobre a capacidade dela — afirma.

Conforme Hegele, o idoso geralmente não percebe a perda cognitiva. 

— A parte física para o idoso pode ser compensada através do uso de carro automático, direção hidráulica ou eletroassistida. Temos algumas adaptações possíveis que tornam a dirigibilidade mais fácil — comenta.

Adaptações

A instalação de um espelho retrovisor mais amplo é uma das sugestões. Sensor de estacionamento e câmera de ré também podem auxiliar o idoso. Os bancos do motorista e do passageiro podem ser adaptados para que se desloquem para os lados, para facilitar na hora da entrada e na saída do veículo. Além disso, os comandos elétricos dos próprios assentos ajudam na questão do conforto.  

De acordo com o médico, doenças oculares como glaucoma ou catarata podem reduzir a capacidade de dirigibilidade do motorista. O envelhecimento reduz o campo de visão da pessoa. 

— Muitas vezes, mesmo com o procedimento cirúrgico ou com o uso de lentes corretivas, a pessoa não vai ter condições necessárias para a segurança veicular. O médico vai ter que orientar para que ela pare com a direção naquele momento — atesta. 

Com o passar da idade, a pessoa vai perdendo a capacidade visual, auditiva, os reflexos se tornam mais lentos, a mobilidade se torna mais difícil. Esses são os primeiros sinais para que a pessoa tenha um alerta sobre a capacidade dela.

RICARDO HEGELE

Presidente da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego do RS (Abramet-RS)

Ele menciona que o exame de aptidão física e mental feito por especialista em Medicina do Tráfego, quando a pessoa vai renovar a CNH, pode determinar se há algum problema. A questão da legislação também é citada.

— Não existe no Código de Trânsito Brasileiro uma data-limite para cessar a direção veicular. Atendi há poucos dias, uma pessoa com 93 anos, com plena capacidade de direção e muito bem de saúde. 

O que diz a legislação

O chefe da Divisão de Habilitação do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RS), Egídio Nunes, explica detalhes sobre legislação, aborda questões como renovações, prerrogativas do médico do tráfego e o que a família pode ou não fazer nesses casos. 

Atualmente, as pessoas até 50 anos precisam renovar a CNH uma vez a cada 10 anos. Dos 50 até os 70 anos, a renovação ocorre a cada cinco anos. E dos 70 em diante, a renovação é feita a cada três anos. 

Há casos de pessoas que recebem uma restrição na CNH de não poder dirigir à noite por conta de problemas na visão noturna, ou em rodovias principalmente de mão simples, ou então são proibidas completamente de dirigir. Isso ocorre muito em função da idade.  

Conforme o chefe da Divisão de Habilitação do Detran-RS, essa decisão de proibir alguém de dirigir passa por avaliação do médico do tráfego. 

— É uma questão delicada, porque, na verdade, a decisão é do médico. A recomendação nesses casos é que a família converse com o idoso, que vá junto. A pessoa que vai renovar não tem a obrigação de levar o filho junto, e muitas vezes não quer — observa. 

Em algumas situações, o condutor idoso não aceita a possibilidade de parar de dirigir. Nesses casos, pode recorrer do resultado do laudo médico.

Pelas amostras que temos, vê-se que, por volta dos 75 anos, a pessoa já começa a entrar numa fase mais delicada.

EGÍDIO NUNES

Chefe da Divisão de Habilitação do Detran-RS

— Toda vez que o condutor não concordar com o laudo médico, cabem dois recursos. E aí a pessoa será analisada por uma junta médica. E se quiser continuar a subir a conversa, o segundo recurso leva o processo ao Conselho Estadual do Trânsito, cuja junta médica pode inclusive reverter a decisão da junta médica anterior.

Questionado sobre como identificar o momento em que o idoso deve parar de dirigir, Nunes reflete que “cada caso é um caso”. Mas há uma média em termos de idade.

— Pelas amostras que temos, vê-se que, por volta dos 75 anos, a pessoa já começa a entrar numa fase mais delicada. Familiares devem ter um certo cuidado para observar o seu familiar dirigindo, ir de carona, ver se a pessoa está com menos reflexos — orienta.

Dicas de como lidar com a situação

  • Antes de tomar qualquer decisão, tentar entender qual o papel que dirigir tem na vida do idoso
  • Garantir para o idoso que não está tirando o controle da vida dele ao não deixá-lo mais dirigir
  • Discutir alternativas de locomoção com o familiar. Isso vai depender da avaliação do estado de saúde físico e mental do idoso
  • Um cuidador pode ajudar. Se o cuidador tiver habilitação, ele vai poder auxiliar dirigindo ao lado do idoso
  • Buscar avaliação profissional para ver se o idoso ainda enxerga e escuta bem; possui mobilidade e flexibilidade
  • Acompanhar o idoso em um passeio de carro para observar se ele está dirigindo corretamente. Ver se a pessoa ao volante percebe as dificuldades

Colaborou André Malinoski

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