Por Cláudio da Costa Oliveira – Dezembro de 2025
Consta que a primeira hidrelétrica comercial do mundo foi construída em Appleton, no estado de Wisconsin (EUA), projetada por Thomas Edison e inaugurada em 1882. Esse marco costuma ser lembrado como símbolo do início da era elétrica industrial.
O que quase ninguém menciona é que apenas sete anos depois, em 1889, o Brasil já inaugurava, em Juiz de Fora (MG), a primeira hidrelétrica do país e da América do Sul: a Usina de Marmelos. De porte comercial, foi idealizada e construída pelo empresário Bernardo Mascarenhas, muito antes de o país sequer sonhar com um projeto nacional de industrialização.
A família Mascarenhas era proprietária de uma fábrica de tecidos em Juiz de Fora, movida à força de vapor, gerada por carvão mineral importado. O custo elevado e a dependência externa pressionavam a competitividade da produção. Em viagem aos Estados Unidos, ainda na década de 1880, Bernardo Mascarenhas conheceu a usina de Appleton em funcionamento e compreendeu, com clareza rara para a época, o impacto que a eletricidade poderia ter sobre a indústria.
Num Brasil ainda imperial, agrário e escravocrata, Bernardo enxergou o futuro. Seu mérito não foi científico ou tecnológico no sentido estrito, mas empresarial, organizacional e estratégico. Ele entendeu que energia abundante e barata era condição essencial para viabilizar a indústria, reduzir custos, aumentar produtividade e atrair novos empreendimentos.
A Usina de Marmelos não apenas garantiu energia para a fábrica de tecidos, como gerou excedente para iluminação pública e atraiu outras indústrias para o município. Juiz de Fora passou a ser conhecida como a “Manchester Mineira”, em referência à cidade inglesa que simbolizou o berço da industrialização mundial.
O Brasil, portanto, nasceu energeticamente moderno. Mas não deu sequência.
Energia não é apenas um produto. É estratégia de nação.
Energia não é simples mercadoria. Não é apenas uma commodity. Energia é base estrutural de desenvolvimento, soberania e poder econômico. Sem energia barata, estável e abundante, não existe indústria competitiva.
O mesmo vale para o aço. Energia e aço formam o alicerce de toda industrialização pesada: automóveis, caminhões, navios, aviões, trens, máquinas e infraestrutura. São esses setores que geram empregos de qualidade, tecnologia, renda e capacidade de defesa nacional.
As grandes potências entenderam isso há muito tempo. Não por acaso, os maiores produtores de aço do mundo, fora a China, são Índia, Rússia, Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul. Esses cinco países, juntos, produzem cerca de 500 milhões de toneladas de aço por ano. A China, sozinha, ultrapassa 1 bilhão de toneladas anuais — mais do que o dobro da produção conjunta dessas cinco nações.
Essa posição não surgiu por acaso. Foi construída ao longo de décadas, com políticas industriais consistentes, energia barata, proteção estratégica e visão de Estado.
Quando o Estado pensa o longo prazo
Em 1920, os Estados Unidos aprovaram o chamado Jones Act, que determinou que todo navio mercante americano deveria ser projetado por empresa americana, construído em estaleiro americano, com aço produzido por siderúrgicas americanas, operado por tripulação americana e mantido por empresas americanas.
Em 2020, o Congresso dos EUA comemorou os cem anos do Jones Act. Considerando seu sucesso, projeta mais cem anos de vigência. Trata-se de uma política de Estado, não de governo.
Outro exemplo: em 1975, os EUA proibiram a exportação de petróleo bruto. Essa restrição permaneceu até 2015, quando o país já dispunha de capacidade de refino suficiente para atender seu mercado interno e ainda gerar excedentes de combustíveis para exportação. Primeiro, garantiu-se a indústria nacional. Depois, o comércio externo.
O contrassenso brasileiro
No Brasil atual, ocorre exatamente o oposto. Exportamos mais de 1,8 milhão de barris por dia de petróleo bruto, praticamente sem pagamento de impostos, enquanto importamos grandes volumes de combustíveis refinados, mais caros e com maior valor agregado.
Temos água em abundância, quedas naturais, histórico pioneiro, petróleo, gás e minério de ferro. Mesmo assim, energia e aço continuam caros. Falta política de Estado. Falta continuidade. Falta projeto nacional.
A lição de Juiz de Fora foi clara ainda no século XIX: quem controla energia, controla o desenvolvimento. Bernardo Mascarenhas entendeu isso há mais de cem anos. O Brasil, infelizmente, ainda não.
O país nasceu energeticamente moderno.
Mas segue insistindo em não dar sequência.
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