Demência em quatro patas: doença afeta cães e gatos idosos

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A falha de memória não é o único sintoma da síndrome da disfunção cognitiva. Semelhante ao Alzheimer em humanos, a doença pode levar os animais a sofrerem emocionalmente, apresentando dificuldade de interação com o ambiente, perda de hábitos, além de sentimentos de insegurança e ansiedade

A síndrome da disfunção cognitiva (SDC), doença neurodegenerativa semelhante ao Alzheimer nos humanos, pode afetar cães e gatos em idade avançada. O declínio cognitivo é observado por meio de mudanças progressivas de comportamento, como alterações nos padrões de sono, vocalização excessiva, confusão, desorientação, ansiedade, distúrbios do apetite e diminuição ou ausência de resposta a comandos já aprendidos.

Com o avanço da ciência veterinária e o aumento da expectativa de vida dos animais, as doenças relacionadas ao envelhecimento estão cada vez mais comuns. Por isso, os tutores devem saber diferenciar os sintomas naturais dos sinais da síndrome cognitiva e, quando necessário, realizar intervenções farmacológicas, nutricionais e comportamentais para prevenir ou minimizar seus efeitos.

Camila Rocha, médica veterinária, explica as principais diferenças entre sintomas comuns do envelhecimento e sinais de demência. “O envelhecimento normal pode trazer perda de audição, visão e menor disposição, mas o animal continua reconhecendo a família e o ambiente. Já na síndrome cognitiva, além desses sinais físicos, aparecem mudanças mais marcantes no comportamento, como não reconhecer o tutor, esquecer hábitos de higiene ou ficar desorientado dentro de casa”, conta.

Entre os primeiros sintomas, Camila relata que os tutores notam confusão mental. “O animal começa a se perder em lugares onde sempre circulou bem, tem alterações no sono, ficando acordado à noite e sonolento durante o dia, perde o interesse em brincar ou interagir com a família, esquece comandos ou rotinas simples e apresenta comportamentos repetitivos, como andar em círculos”, comenta.

Prevenção efetiva

Para garantir um envelhecimento saudável, Rebecca Gonçalves, médica veterinária, assegura que acompanhamento regular, vacinas em dia, alimentação adequada e estímulos mentais, como roer, farejar, aprender tarefas novas e resolver pequenos problemas com enriquecimento ambiental, podem ajudar a prevenir a demência na velhice.

As atividades físicas também são fortes aliadas. “Além de manter o peso, melhoram a oxigenação dos tecidos e diminuem a atividade das citocinas inflamatórias, sem falar dos estímulos mentais. A atividade física dos animais, em geral, tem ligação estreita com o ambiente, estimulando olfato, audição e socialização. Tudo isso protege o cérebro e suas conexões”, relata Rebecca.

Somando-se à parte física, os estímulos mentais são indispensáveis. “É legal que os tutores estimulem o cérebro do animal. Podem esconder alguma coisa em casa e deixá-los encontrar, colocar ração sobre uma toalha, enrolar e dar um nó para que encontrem a comida. O próprio adestramento é um desafio mental grande e muito benéfico. Roer e lamber também são excelentes estímulos”, explica.

Convém destacar que os mordedores devem ser naturais, sem adição de flavorizantes e sem passarem por processos químicos como branqueamento e cozimento. Para que um brinquedo seja verdadeiramente estimulante, deve ser oferecido em determinados momentos. E, enquanto fazem uso deles, os animais precisam estar sob supervisão.

Check-ups

O acompanhamento profissional é essencial para detectar sinais precoces da síndrome. O diagnóstico da SDC é basicamente clínico, e qualquer alteração de comportamento deve ser avaliada pelo veterinário. Inicialmente, é necessário descartar outras doenças que podem causar sintomas semelhantes, como problemas oftalmológicos, auditivos ou hepáticos.

Quando os sinais são restritos ao sistema nervoso, exames como a ressonância magnética podem ser solicitados para descartar tumores, encefalites ou outras neuropatias. Em relação à frequência, animais jovens e sem sintomas devem passar por avaliação veterinária anualmente. Já a partir dos 7 anos, quando entram na fase geriátrica, o intervalo deve ser reduzido para seis meses.

Uma história real

Em janeiro deste ano, aos 14 anos, a lhasa apso Charlotte faleceu devido a complicações da idade avançada, entre elas o Alzheimer. Em 2022, sua tutora, Ana Eulália, começou a perceber mudanças drásticas de comportamento e o sofrimento constante do animal. “Ela girava em círculos, mas achávamos que era uma confusão por conta da cegueira que desenvolveu em 2020. Além do mais, latia a noite inteira, passava o dia dormindo, perdia-se pela casa, fazia as necessidades nos lugares errados, não tinha apetite e estava sempre apática”, relata.

A mudança não afetou apenas Charlotte, a família também sentiu na pele a dor do esquecimento.
“Ela nunca foi muito ativa, não era o tipo de cachorro que gostava de correr, se sujar ou destruir coisas. Mas sempre gostou de passear, ganhar carinho, brincar com a minha gata e comer muito. Percebemos que ela estava sofrendo quando até mesmo esse jeitinho tranquilo se perdeu”, lembra.

Lidar com a síndrome foi um teste de amor e resistência. Com zelo, a tutora adaptou a rotina para minimizar o sofrimento. “Nós acordávamos todas as noites, geralmente mais de uma vez, para acalmá-la quando latia. Tivemos que tirar os tapetes do chão, fechar portas de cômodos, levá-la no colo até a caminha e, muitas vezes, oferecer a comida direto na boca. Era como cuidar de um bebê de colo, que precisava de ajuda em todas as partes do dia.”

Como mantra, Ana afirma que é importante lembrar que o envelhecimento é normal e que a forma como lidamos com ele é o que conta no final. “Tenham em mente que toda criatura viva, com sorte, vai envelhecer, e que envelhecer demanda cuidados especiais. Seu pet não deixa de ser seu pet, assim como seu avô não deixa de ser seu avô. É nosso dever, como tutores e amigos, garantir que todas as fases da vida do pet sejam tão saudáveis e confortáveis quanto possível”, conclui.

Uma nova fase

Com a chegada da velhice, além das mudanças fisiológicas, o ambiente também precisa acompanhar. Passeios diários, piso adequado para evitar escorregões, manejo alimentar correto e a lavagem diária de comedouros e bebedouros são medidas essenciais. Para os mais velhinhos, com dificuldade de locomoção, é interessante elevar os potes de comida e água, além de usar escadinhas ou rampas perto de sofás ou camas. Ter um local reservado para as necessidades fisiológicas também é importante, para que não dependam de ninguém para urinar ou defecar.

A veterinária Rebecca alerta: “Como responsável por cinco animais e como veterinária, acho muito errado o conformismo de alguns responsáveis com o ‘é assim mesmo, ele é velho’. Não é assim mesmo. Enquanto o cachorro viver, é preciso buscar o máximo de qualidade. Fazer adaptações na casa, na dieta, na rotina, nas medicações, para que fiquem livres de dor, com doenças crônicas controladas e felizes junto à família”.

É importante lembrar que o diagnóstico não é o fim. Com carinho, paciência e cuidados adequados, o pet ainda pode viver momentos felizes e com qualidade. O mais importante é seguir as orientações do veterinário e adaptar a rotina para essa nova fase da vida do animal, reforça a veterinária Camila Rocha.

Fonte https://www.correiobraziliense.com.br/

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