Qando sair do papel, a estrada de ferro reduzirá custos logísticos, colocando o modal ferrofluvial frente ao rodoferroviário
A Ferrogrão, projeto de R$ 25,2 bilhões que cria uma rota para o escoamento de grãos pelo Norte do Brasil, retornou ao cenário de discussões. Nas últimas semana começou a funcionar no âmbito do Ministério dos Transportes o grupo de trabalho que fará a análise dos impactos da obra – que, já estima-se, envolve R$ 49,25 bilhões em custos operacionais e gerará 385,8 mil empregos diretos e indiretos. De acordo com a pasta, esses estudos terão prazo de seis meses para acontecer e aportes necessários do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas a abertura do edital ainda precisará de aval do Supremo Tribunal Federal (STF), e os impasses e confrontos de interesses em torno da ferrovia ainda estão longe de um fim. Afinal, quando sair do papel, a estrada de ferro reduzirá custos logísticos – colocando o modal ferrofluvial frente ao rodoferroviário – o que torna o projeto ultracompetitivo, frente ao atual arranjo de interesses de produtores de grãos aos dos portos do Sul e Sudeste.
Dessa forma, a disputa em torno da ferrovia envolve fortes interesses econômicos e um monopólio logístico historicamente detido pelo no Sul e Sudeste.
O Mato Grosso é o maior produtor de grãos do Brasil. Entretanto, conta com apenas um corredor ferroviário que puxa toda a carga para o porto de Santos, em São Paulo. Além disso, apesar de os portos do Sul e Sudeste estarem mais distantes do estado, cerca de 70% do escoamento da safra mato-grossense de milho e soja é direcionada a eles devido, principalmente, às más condições das estradas do Norte.
“Se o Brasil tiver uma segunda malha ferroviária para escoamento dessa produção consegue balizar o custo ferroviário. É salutar que se tenha uma concorrência para que o custo do frete reduza. E a Ferrogrão abriria essa concorrência. Tem estudos indicando que seria possível reduzir o custo do frete em até 30 dólares por tonelada”, observou o presidente da Associação dos Terminais Portuários da Bacia Amazônica (Amport), Flávio Acatauassú.
Outro ponto que contribui com essa redução no custo logístico é o fato de, com a Ferrogrão, o Pará apresentar a possibilidade de um modal ferrofluvial, em lugar do rodoferroviário, o que torna o projeto ainda mais competitivo.
A matriz de transporte brasileiro privilegia o modo rodoviário em detrimento do ferroviário e do hidroviário. Ao longo dos anos isso tem gerado um desperdício logístico de aproximadamente 5% do PIB brasileiro, ou seja, cerca de US$ 10 bilhões ao ano. No caso da logística para transporte da safra de soja, até 35% do valor produzido desse grão é consumido no transporte. Em relação ao milho, o transporte chega a valer mais do que o próprio produto. Os números são de um estudo da Frente da Agropecuária no Congresso (FPA), que tem defendido o projeto da Ferrogrão.
“Enquanto nós estamos discutindo a Ferrogão há dez anos, o mundo já construiu 34 mil quilômetros de ferrovia. Essa ferrovia é a ferrovia mais viável do Brasil. Primeiro porque ela vai na mesma faixa de domínio da BR-163. Ela não vai desmatar. Então é uma coisa que precisamos pressionar e nos mobilizarmos para convencer a esse país de que ele precisa investir em logística e em logística viável. Segundo porque ela tira de circulação caminhões, diminui acidentes, a emissão de CO2 e dá celeridade e eficiência à economia”, observou o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que integra a FPA.
A mitigação de impactos ambientais a partir do transporte ferroviário também é levantada por Flávio Acatauassú. “Quando falamos do bioma amazônico é mais lógico fazer uma ferrovia que é ponto a ponto, do que uma rodovia que vai fomentando em seu traçado uma série de espinhas de peixe, grilagem ilegal de terras, extrativismo, garimpo ilegal. Muito mais prejudicial é a rodovia, até para a volumetria que se projeta de grãos do Mato Grosso”.
O grupo de trabalho responsável por conduzir os estudos para implementação da Ferrogrão tem uma tarefa sensível pela frente. Precisará estabelecer pontes de diálogo entre os dois lados dessa discussão. “A partir da criação do grupo de trabalho, teremos uma discussão técnica e responsável, buscando chegar a um modelo sustentável da Ferrogrão, que tenha tanto viabilidade jurídica no Supremo Tribunal Federal quanto viabilidade ambiental”, comentou o secretário-executivo do Ministério dos Transportes George Santoro.
A disputa do traçado
A judicialização do projeto começou após a bancada do PSOL na Câmara ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Medida Provisória (MP 758/2016) que excluía cerca de 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxim para faixas de domínio da Ferrogrão (EF-170) e da BR-163. O projeto da Ferrogrão acompanha o traçado da BR-163 e um dos argumentos postos por ambientalistas é de que a ferrovia passaria em uma faixa de domínio do Parque.
Acontece que a rodovia é da década de 1970, enquanto as margens do Parque foram estabelecidas nos anos 2000 e é a verificação desse traçado um dos desafios do grupo de trabalho formado no Ministério das Cidades.
Para Acatauassú, a formação desse grupo será decisiva ao andamento do projeto. Ele defende a verificação com tecnologias modernas dos traçados da BR-163 que tem sido contestados. “A ferrovia vai ser encaixada dentro dessa faixa de domínio da BR-163. Ocorre que quando a rodovia foi implantada nós não tínhamos os GPS para uma marcação georreferenciada precisa. Então a gente precisa verificar in loco para ver se a faixa de domínio que foi construída a rodovia de fato está na posição geográfica do projeto ou se escorregou um pouco para um lado ou para o outro”, disse o presidente da Amport.
Ao final dos seis meses de trabalho, o grupo precisará entregar ao Supremo Tribunal Federal um conjunto de documentos e análises que incluem estudos sobre os impactos socioambientais; estudos financeiros, com as devidas atualizações do projeto; estudos de demanda de carga; estudos jurídicos; e planos com forma e conteúdo das consultas às áreas indígenas.