FALASÉRIO 114 – Para o Brasil, não é escolha: a história impôs Washington antes de Pequim

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Escrito por Cláudio da Costa Oliveira – dezembro de 2025

INTRODUÇÃO

Antes de qualquer indignação retórica, os brasileiros precisam encarar uma verdade incômoda: o Brasil sempre foi, e continua sendo, uma colônia. Nunca deixou de ser. O que muda, ao longo do tempo, são os centros de poder aos quais o país se subordina.

Essa constatação não é nova e já foi tratada em outros textos da série Fala Sério — especialmente nos números 60, 61, 79, 107, 108, 109 e 110. A independência formal, a República, a industrialização tardia e até a redemocratização não romperam esse padrão estrutural. O país segue inserido de forma subordinada na divisão internacional do poder, da produção e da tecnologia.

Diante disso, a pergunta relevante não é se o Brasil será influenciado por potências externas — isso é inevitável. A pergunta real é: sob qual hegemonia viveremos.

A DIVISÃO DO MUNDO

O sistema internacional contemporâneo está organizado em torno de grandes polos de poder. De um lado, os Estados Unidos; de outro, o eixo sino-russo, com a China assumindo papel cada vez mais central. Essa configuração, explícita ou tácita, busca evitar confrontos diretos entre grandes potências, estabelecendo zonas de influência relativamente estáveis.

Nesse tabuleiro, a América Latina — e o Brasil em particular — sempre esteve inserida na área de influência dos Estados Unidos. Trata-se menos de ideologia e mais de geopolítica, história e geografia. Não reconhecer isso não nos torna independentes; apenas nos torna ingênuos.

O Fala Sério 111 já apontou que essa condição impõe limites, mas também oferece previsibilidade. Entre a hegemonia norte-americana — conhecida, negociável e permeável — e a ascensão chinesa — opaca, centralizada e estratégica — o Brasil já fez sua escolha histórica, ainda que se recuse a admiti-la publicamente.

EUA OU CHINA: UMA ESCOLHA REAL, NÃO RETÓRICA

Há um dado frequentemente ignorado no debate brasileiro: hegemonias não são neutras. Todas impõem custos. A diferença está na natureza desses custos.

A influência dos Estados Unidos se exerce, em geral, por mecanismos políticos, financeiros, culturais e institucionais. É dura, muitas vezes hipócrita, mas opera em ambientes relativamente abertos, onde há espaço para negociação, pressão interna e alternância de poder.

A influência chinesa, por sua vez, baseia-se em relações assimétricas de dependência econômica, controle tecnológico e opacidade política. Países que entram profundamente nessa órbita raramente ganham autonomia; tornam-se fornecedores de commodities, mercados cativos e extensões logísticas de um projeto civilizacional que não admite contestação.

Entre um império que pressiona e outro que absorve, o Brasil — consciente ou não — sempre optou pelo primeiro.

MISCIGENAÇÃO E LIMITES

A ideia de um Brasil como ponte entre civilizações é sedutora, mas tem limites concretos. Nossa miscigenação — talvez a maior do mundo — é um ativo cultural poderoso, mas não substitui projeto nacional, capacidade tecnológica nem poder econômico.

Sem esses elementos, o discurso do “equilíbrio entre polos” vira apenas retórica diplomática. Na prática, países sem projeto próprio acabam gravitando em torno da potência que lhes oferece maior previsibilidade institucional, maior afinidade cultural e menor risco de perda de autonomia política.

Nesse contexto, por mais desconfortável que seja admitir, a órbita norte-americana continua sendo, para o Brasil, menos arriscada do que a chinesa.

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OS SINAIS DE UMA PARTILHA NÃO DECLARADA

Nenhuma grande divisão do mundo é anunciada em coletiva de imprensa. Elas ocorrem por recuos silenciosos, concessões indiretas e prioridades seletivas. E é exatamente isso que estamos assistindo.

A retirada gradual de russos e chineses da Venezuela é um desses sinais. Durante anos, Caracas foi apresentada como vitrine da presença sino-russa no “quintal” americano. Hoje, essa presença arrefece. Pequim recua, Moscou perde fôlego, e Washington volta a ocupar espaço — não por intervenção militar, mas por reaproximação pragmática. A mensagem é clara: a América Latina continua sendo área de influência norte-americana.

Em contrapartida, os Estados Unidos reduzem seu envolvimento direto na Ucrânia. O discurso muda, os recursos escasseiam, a fadiga política cresce. Abre-se espaço para que a Rússia consolide ganhos territoriais e redefina, à sua maneira, o equilíbrio no Leste Europeu. Não é vitória total, mas é acomodação — típica de acordos tácitos entre potências que sabem até onde podem ir.

No Indo-Pacífico, a China é ainda mais explícita. Taiwan é tratada por Pequim como questão interna, não negociável. Hong Kong já foi, na prática, reincorporada politicamente ao continente. Washington protesta, mas age com cautela extrema. Não há disposição real para um conflito direto com a China por esses territórios. Outro sinal inequívoco de limite reconhecido.

A África, por sua vez, parece caminhar para uma condição de zona preferencial chinesa. Investimentos maciços em infraestrutura, mineração, energia e logística transformaram o continente em extensão econômica de Pequim. Os Estados Unidos e a Europa observam, reagem pontualmente, mas não disputam com a mesma intensidade. O custo político e estratégico parece alto demais para um retorno incerto.

Resta a Europa. Formalmente independente, mas estrategicamente solitária. Envelhecida, desindustrializada em partes, dependente de energia externa e de proteção militar norte-americana. O chamado “Velho Mundo” já não define o jogo — apenas tenta sobreviver dentro dele.

Nada disso configura um tratado assinado. Mas, somados, esses movimentos desenham uma partilha funcional do mundo:
— Américas sob hegemonia dos EUA;
— Leste Europeu sob influência russa;
— Indo-Pacífico e África cada vez mais chineses;
— Europa como espaço residual, relevante culturalmente, mas politicamente fragilizado.

E O BRASIL NO MEIO DISSO

Diante desse cenário, o discurso brasileiro de “não alinhamento” soa cada vez mais vazio. Países médios não escolhem se alinhar ou não; escolhem como e em que termos se alinham.

O Brasil não tem poder militar, tecnológico ou financeiro para ser polo autônomo. Não lidera bloco algum. Não dita regras. Logo, sua margem de manobra é limitada. Fingir o contrário é retórica para consumo interno.

Na prática, o país já está inserido na órbita americana — por sistema financeiro, comércio, cultura, padrões institucionais e até pela própria elite dirigente. A China é um parceiro comercial central, mas não um referencial político, institucional ou civilizacional para o Brasil.

Entre Washington e Pequim, a escolha brasileira não é ideológica; é estrutural. E já foi feita há muito tempo.

CONCLUSÃO — FALA SÉRIO

O mundo não caminha para uma nova Guerra Fria clássica, mas para uma nova Yalta silenciosa, sem fotos históricas nem discursos épicos. As potências negociam limites; os países periféricos se adaptam.

O erro brasileiro não é reconhecer essa realidade. O erro é fingir que ela não existe.

Enquanto o país insistir em discursos grandiloquentes sobre autonomia sem projeto nacional, continuará sendo aquilo que sempre foi: uma colônia bem-comportada, agora em um mundo repartido entre poucos.

Fala sério: na geopolítica real, quem não escolhe conscientemente acaba escolhido pelos outros.  

Observações, comentários, críticas : soberanobrasiles@gmail.com  

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