Do ceticismo à fuga em massa de indústrias: por que cada vez mais empresas deixam a Argentina e cruzam a fronteira para o Paraguai em busca de impostos menores, energia barata e uma nova aposta exportadora

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Pressionadas por impostos elevados, consumo em queda e avanço das importações, empresas argentinas aceleram a migração produtiva para o Paraguai, atraídas pelo regime de Maquila, custos operacionais reduzidos e acesso facilitado a mercados internacionais

A combinação de carga tributária elevada, consumo interno retraído e avanço agressivo das importações tem provocado uma mudança estrutural no mapa industrial da região. Cada vez mais, indústrias argentinas avaliam — e concretizam — a transferência de linhas produtivas para o Paraguai, em um movimento que vai além da busca por benefícios fiscais e passa a refletir uma estratégia de sobrevivência e reposicionamento exportador.

Esse deslocamento ocorre mesmo diante da promessa do governo de Javier Milei de reduzir a pressão tributária até 2026, dentro de um pacote de reformas consideradas de “segunda geração”. No entanto, para grande parte do setor privado, a espera se tornou inviável. A urgência imposta pela queda do consumo doméstico, aliada à invasão de produtos importados, acelerou decisões que antes eram apenas estudadas no papel.

A informação foi divulgada pelo site El Cronista, que acompanha de perto o movimento de empresários argentinos rumo ao Paraguai, com base em dados oficiais, entrevistas com representantes do setor produtivo e análises econômicas regionais. Segundo o veículo, o fenômeno não é pontual, tampouco restrito a um único setor, mas revela uma tendência estrutural de médio e longo prazo.

Enquanto isso, o Paraguai consolida sua imagem como plataforma industrial e exportadora, aproveitando um ambiente macroeconômico mais previsível e um arcabouço regulatório voltado à atração de capital estrangeiro.

O contraste entre Argentina e Paraguai no ambiente de negócios

Enquanto a Argentina enfrenta dificuldades para sair da condição de mercado Standalone — status que limita a entrada de grandes fluxos de investimento internacional enquanto o risco-país não rompe a barreira dos 500 pontos —, o Paraguai avança de forma consistente no cenário financeiro global.

Recentemente, a agência Standard & Poor’s concedeu ao país o tão aguardado Grau de Investimento, reconhecimento que a Moody’s já havia antecipado em 2024, ao elevar a nota soberana paraguaia para Baa3. Essa classificação coloca o país vizinho em uma categoria de menor risco financeiro internacional, reduzindo o custo de capital e ampliando o interesse de investidores globais.

O presidente paraguaio Santiago Peña celebrou a conquista como resultado de um trabalho “sério e consistente” ao longo dos últimos anos. O reconhecimento foi tão relevante que o próprio Javier Milei parabenizou publicamente Peña por meio das redes sociais, em um gesto que evidencia o contraste entre as trajetórias recentes dos dois países.

Esse contraste também aparece nos números do mercado de trabalho. Durante os dois primeiros anos da atual gestão liberal na Argentina, 20.134 empresas encerraram atividades, resultando na perda de 280.984 empregos formais. Paralelamente, o país enfrenta uma estagnação das exportações com valor agregado, reduzindo sua competitividade externa.

Nesse cenário, o Paraguai passa a ser visto por empresários argentinos como uma verdadeira “plataforma de decolagem”, especialmente para operações voltadas ao mercado internacional.

O setor têxtil lidera a realocação industrial

Entre todos os segmentos, o setor têxtil se tornou a ponta de lança desse movimento migratório. Considerado um dos maiores prejudicados pelo atual modelo econômico argentino, o setor sofre simultaneamente com a abertura comercial, a queda do consumo interno e a explosão das importações.

Somente nos últimos meses, as compras de plataformas como Shein e Temu cresceram cerca de 300%, inundando o mercado local com produtos de baixo custo. Diferentemente de ciclos anteriores, como em 2018 e 2022, quando as importações aumentaram em um contexto de mercado aquecido, o cenário atual é marcado pela ausência de demanda.

“Dê-me mercado” tornou-se o grito de socorro dos industriais, que veem produtos chineses entrarem com tarifas mínimas, enquanto o poder de compra do consumidor argentino segue fragilizado. Até mesmo grandes empresários do setor demonstram ceticismo quanto à eficácia de produzir no Paraguai para abastecer a Argentina, caso o consumo interno não se recupere.

Os pontos físicos da Shein chegam ao país? A informação que preocupa lojistas e pode transformar o mercado de vestuário. Imagem: divulgação

Segundo dados da ProTejer50,3% do preço final do vestuário na Argentina corresponde a impostos nacionais, provinciais e municipais ao longo da cadeia produtiva. Mesmo após investimentos de US$ 1,4 bilhão desde o início da pandemia, o setor perdeu 5.000 empregos apenas neste ano, evidenciando a perda de fôlego da indústria local.

“A indústria argentina produz rápido e com qualidade; o problema está nas variáveis fora da fábrica”, resume um representante do setor, destacando que o peso tributário e os custos logísticos anulam a eficiência produtiva.

O regime de Maquila e o “combo imbatível” paraguaio

Além do tradicional boom imobiliário, que atraiu argentinos em busca de dolarização segura, o Paraguai passou a concentrar investimentos produtivos em setores estratégicos. O principal atrativo é um arcabouço fiscal considerado imbatível por empresários estrangeiros.

A joia da coroa é o Regime de Maquila, recentemente modernizado pela Lei nº 7547, de setembro de 2025. Esse sistema permite que empresas estrangeiras terceirizem sua produção no Paraguai sob condições altamente vantajosas.

Entre os principais benefícios estão:

  • Tarifa zero para importação de matérias-primas e insumos;
  • Tributação única de 1% sobre o valor agregado em território paraguaio (ou sobre o valor da fatura, o que for maior);
  • Facilidade de acesso a mercados internacionais com o selo “Feito no Paraguai”.

No plano tributário geral, o país aplica 10% de imposto de renda10% de renda pessoal e 10% de IVA. Na Argentina, esses mesmos tributos chegam a 35%, 35% e 21%, respectivamente.

Somam-se a isso custos trabalhistas cerca de 50% mais baixos, sindicatos considerados mais flexíveis, energia elétrica significativamente mais barata e uma vantagem logística decisiva. “Trazer um contêiner da China custa cerca de US$ 3.500, enquanto um frete terrestre de Buenos Aires a Salta chega a US$ 7.500”, relatou um industrial.

Migração industrial se espalha para outros setores

Embora o setor têxtil seja o caso mais emblemático, a migração industrial começa a se espalhar para agroindústria, alimentos, metalurgia e autopeças. Fornecedores de chicotes elétricos e componentes automotivos já transferiram parte da produção para abastecer montadoras instaladas no Paraguai.

Associação de Fabricantes de Autocomponentes (AFAC) alertou que cinco empresas do setor fecharam as portas no último ano e meio. Até outubro, as exportações cresceram apenas 2,3%, totalizando US$ 1,104 bilhão, enquanto as importações avançaram 8,5%, alcançando US$ 9,543 bilhões.

A entidade aponta a concorrência asiática, que opera com preços considerados “não transparentes” e forte apoio estatal em seus países de origem, como um dos principais fatores de desequilíbrio.

Segundo Daniel Rosato, presidente da Industriales Pyme da Argentina (IPA), o Paraguai tem intensificado sua agenda diplomática junto ao empresariado argentino. Uma missão empresarial ao país vizinho já está sendo preparada para março de 2026, com foco na atração de PMEs.

O custo social e o risco de desarticulação produtiva

Apesar da atratividade, a decisão de migrar não é isenta de críticas. Empresários reconhecem que, embora o Paraguai ofereça um ambiente favorável ao capital, o modelo também aprofundou a polarização social e não conseguiu formar uma classe média robusta.

Ainda assim, diante do avanço das importações de varejo, dos preços subfaturados no atacado, da liberação da entrada de roupas usadas e do aumento do contrabando, a migração surge como último recurso para evitar a falência.

“Não é um movimento massivo; são empresas estruturadas, capazes de gerir operações no exterior”, ponderou um empresário têxtil, destacando que nem toda produção pode ser facilmente transferida, especialmente aquelas com maior grau de sofisticação.

Enquanto o governo argentino prioriza reduzir a circulação de pesos para conter a inflação, o setor produtivo alerta para uma fuga silenciosa de conhecimento, inovação e tecnologia. O risco, segundo industriais, vai além da perda imediata de empregos e envolve a desarticulação de cadeias de valor construídas ao longo de décadas.

Investimento estrangeiro reforça posição paraguaia

De acordo com o Banco Central do Paraguai (BCP), o estoque total de Investimento Estrangeiro Direto (IED) atingiu US$ 10.395 milhões ao final de 2024, um crescimento de 3,8% em relação a 2023.

O número de países investidores chegou a 68, com destaque para Brasil, Estados Unidos, Holanda, Uruguai e Espanha. Além disso, Chile, Argentina, Ilhas Cayman e Ilhas Virgens Britânicas ampliaram significativamente sua participação, reforçando o papel do Paraguai como polo regional de atração de capital.

Diante da fuga de indústrias da Argentina e do Brasil para o Paraguai, motivada por impostos mais baixos, energia barata, logística eficiente e um ambiente mais previsível para investir, você acredita que esse movimento transfronteiriço representa apenas uma estratégia de sobrevivência das empresas ou um alerta definitivo de que o modelo industrial dos países vizinhos precisa ser urgentemente revisto para evitar perda de empregos, tecnologia e competitividade?

Fonte https://clickpetroleoegas.com.br/

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