FALASERIO 113 – As grandes potências dividiram o mundo para não entrar em conflito

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Por Cláudio da Costa Oliveira – Dezembro de 2025

INTRODUÇÃO

Em seu primeiro governo, em 2019, Donald Trump fez uma pergunta incômoda ao ex-presidente americano Jimmy Carter: como explicar o crescimento acelerado da China?
A resposta de Carter foi ainda mais desconcertante. Ele sugeriu que Trump observasse quantos trilhões de dólares os Estados Unidos haviam gasto, ao longo de décadas, para sustentar sua posição de “xerife do mundo” — guerras, bases militares, intervenções, sanções, operações externas.
Enquanto isso, a China, segundo Carter, não gastou nada com esse papel. Investiu tudo em infraestrutura, indústria, tecnologia, educação e expansão econômica.

Essa resposta ajuda a entender não apenas o passado recente, mas também o que pode estar acontecendo agora, silenciosamente, longe dos discursos oficiais.

A GLOBALIZAÇÃO COMO PRESENTE À CHINA

A globalização a partir dos anos 1980, liderada pelo capital financeiro e industrial americano, foi vendida como um caminho inevitável para o progresso mundial.
Na prática, foi o empurrão decisivo que a China precisava.

Empresas americanas e europeias migraram produção para território chinês em busca de mão de obra,  energia e aço baratos, menos regras ambientais e maior margem de lucro.
O resultado foi previsível:

  • desindustrialização parcial do Ocidente;
  • fortalecimento tecnológico e produtivo da China;
  • transferência de know-how em escala histórica.

A China não apenas produziu. Aprendeu, copiou, adaptou e superou.

O MUNDO CAMINHA PARA UM ACORDO NÃO DECLARADO

Hoje, sem tratados formais, sem conferências como Yalta, as grandes potências parecem caminhar para um acordo tácito de divisão de áreas de influência, justamente para evitar um conflito direto entre elas.

E os sinais estão espalhados:

  • Rússia pressionando e avançando sobre a Ucrânia, com reação ocidental cada vez mais limitada;
  • Estados Unidos reduzindo envolvimento direto, evitando confronto aberto com Moscou;
  • China consolidando controle sobre Hong Kong, pressionando Taiwan e ampliando presença econômica e política na África;
  • EUA reafirmando a América como sua zona de influência estratégica.

Não há anúncio oficial. Há fatos consumados.

OS CONFLITOS COMO “AJUSTES DE FRONTEIRA”

Os conflitos que vemos não parecem guerras totais entre potências, mas ajustes de fronteira dentro dessa nova ordem:

  • A guerra começa na Ucrânia;
  • O foco se desloca para a Venezuela, área sensível para os EUA;
  • A tensão cresce em Taiwan, ponto mais delicado para a China.

Curiosamente, esses conflitos não se sobrepõem diretamente. Cada potência age em seu “quadrante”, enquanto as demais protestam, mas evitam cruzar a linha vermelha.

Isso não é coincidência. É método.

A EUROPA: VELHO MUNDO, SOZINHO

Nesse tabuleiro, a Europa aparece como o velho mundo: rica, envelhecida, fragmentada politicamente e dependente energeticamente.
Não lidera, reage. Não decide, acompanha.
Paga o custo econômico e social de conflitos que não controla.

África, América Latina e parte da Ásia não participam do acordo — apenas sofrem seus efeitos.
A África, em especial, surge como espaço de disputa econômica chinesa, sem ocupação militar clássica, mas com endividamento, infraestrutura e dependência.

O Brasil, como sempre, observa à distância, dividido entre retórica soberana e pragmatismo comercial, sem um projeto claro de inserção estratégica.

Talvez o mundo não esteja caminhando para uma grande guerra global.
Talvez esteja fazendo algo ainda mais perigoso: aceitando, em silêncio, uma nova divisão do planeta, decidida por poucos, longe do debate público.

Não há tratados. Não há assinaturas.
Há apenas movimentos coordenados, recuos calculados e avanços tolerados. Se isso for verdade, o mundo já foi dividido. E a maioria dos países sequer foi consultada.  

ALIANÇAS, CONTENÇÃO E AS LINHAS INVISÍVEIS DO MUNDO

Alianças como o QUAD — reunindo Estados Unidos, Índia, Japão e Austrália — não contradizem essa lógica de divisão silenciosa do mundo; ao contrário, ajudam a desenhar seus limites. Funcionam menos como instrumentos de guerra aberta e mais como mecanismos de contenção estratégica, sinalizando até onde cada potência pode avançar sem provocar uma ruptura global.

Um bloqueio total de insumos estratégicos à China — como minério de ferro do Brasil e da Austrália — provocaria um choque industrial de proporções mundiais, com impacto direto sobre cadeias produtivas, inflação e crescimento em todos os continentes. Justamente por isso, não ocorre.

O que se observa é outra coisa: pressão seletiva, sanções pontuais, restrições tecnológicas específicas e conflitos localizados. O suficiente para marcar território. Insuficiente para romper o equilíbrio.

O mundo não caminha para o confronto direto entre grandes potências, mas para um arranjo instável, sustentado por linhas invisíveis que ninguém assume publicamente, mas que todos respeitam. E, nesse jogo, países como o Brasil seguem como peças valiosas, porém passivas — observando decisões que moldam o futuro sem jamais sentar à mesa onde ele é decidido.

WASHINGTON, WALL STREET E A DIVISÃO DE TAREFAS

Há ainda um elemento central, raramente dito em voz alta: essa reorganização global atende, simultaneamente, aos interesses de Washington e de Wall Street.

O capital financeiro americano não perdeu com a ascensão chinesa. Ao contrário, manteve — e em muitos casos ampliou — sua rentabilidade global, operando acima das fronteiras, lucrando com cadeias produtivas dispersas, tecnologia, dívida e fluxos financeiros. Wall Street não precisa de fábricas em Ohio; precisa de retorno sobre o capital.

Washington, por sua vez, pressionado social e politicamente pela desindustrialização, tenta agora reindustrializar seletivamente os Estados Unidos. Não qualquer indústria, mas aquelas consideradas estratégicas: militar, energética, tecnológica, semicondutores, infraestrutura crítica. O objetivo é claro: recuperar empregos, reduzir tensões sociais internas e preservar poder político.

Assim, enquanto o capital permanece globalizado, o emprego volta a ser nacional. Não há contradição — há divisão de tarefas.

O mundo se fragmenta geopoliticamente para que o sistema econômico continue funcionando. A China produz. A periferia fornece insumos. Wall Street financia e lucra. Washington administra o descontentamento interno com políticas industriais e retórica nacionalista.

Essa engrenagem ajuda a explicar por que o sistema não colapsa. Ele não entra em crise aberta — apenas se rearranja.

CONCLUSÃO

Um mundo dividido sem debate, sem voto e sem aviso

Talvez o mundo não esteja caminhando para uma grande guerra global. Talvez esteja fazendo algo mais silencioso — e, por isso mesmo, mais perigoso: aceitando uma nova divisão do planeta sem debate público, sem tratados e sem consulta à maioria dos países.

Não há acordos assinados, mas há avanços tolerados e recuos calculados. Não há conferências internacionais, mas há fatos consumados. Cada grande potência atua dentro de um espaço informalmente reconhecido, enquanto as demais protestam, mas evitam cruzar linhas que sabem existir.

Essa nova ordem não promete estabilidade duradoura, apenas gestão do conflito. Não elimina guerras — apenas as mantém localizadas. Não resolve desigualdades — apenas as redistribui geograficamente.

O problema é que, fora desse núcleo decisório, estão quase todos: África, América Latina, parte da Ásia e mesmo uma Europa cada vez mais reativa. Países que não decidiram a divisão do mundo, mas terão de viver com ela.

Se essa leitura estiver correta, então a pergunta mais incômoda não é quem dividiu o mundo, mas por que tantos aceitaram ficar de fora da mesa.

O mundo pode já ter sido dividido.
E o silêncio global talvez seja o sinal mais claro de que isso já aconteceu. 

Sugestões, dúvidas, críticas contate : soberanobrasiles@gmail.com 

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