O TCU apontou que a Petrobras teve prejuízo bilionário na venda da NTS, após falhas de modelagem e risco cambial. Entenda como a operação afetou transportadoras e gás no país
Em 8 de dezembro de 2025, o Tribunal de Contas da União divulgou a conclusão de que a Petrobras perdeu cerca de R$ 1,16 bilhão na venda de 90% da NTS, empresa responsável por parte da infraestrutura de transporte de gás natural no Sudeste.
Segundo matéria publicada pelo site Poder 360, a decisão apontou falhas de modelagem econômico-financeira, problemas no cálculo de tarifas e um erro crítico: a estatal assumiu integralmente o risco cambial durante a operação, o que reduziu substancialmente o valor final recebido.
A conclusão do Tribunal reforça que o desinvestimento resultou em perda bilionária causada por decisões técnicas inadequadas, levantando preocupações sobre governança e gestão de ativos estratégicos da estatal.
Falhas apontadas pelo TCU na venda da NTS pela Petrobras
O TCU identificou diversos problemas na estruturação da operação. Entre eles, destacou-se a adoção de uma taxa de conversão cambial fixa, vinculada a R$ 3,35 por dólar, definida em 2016. A venda foi paga ao longo do tempo, mas a Petrobras manteve a taxa fixa, mesmo com a forte valorização do dólar nos anos seguintes. Isso reduziu o valor final recebido.
Além do câmbio, o Tribunal observou premissas frágeis no valuation da NTS. A tarifa de transporte usada na modelagem ainda não tinha sido aprovada pela ANP na época da negociação. Na prática, o valor estimado da empresa se baseou em projeções que não tinham validação regulatória naquele momento, o que reduziu artificialmente o preço pago pelos compradores.
Também foram identificadas inconsistências em taxas de desconto utilizadas, ausência de revisões técnicas independentes e adoção de metodologias divergentes das aprovadas internamente pela estatal. O conjunto desses fatores levou o Tribunal a concluir que a operação não gerou retorno adequado ao patrimônio público, apesar de o valor nominal parecer elevado na época.
Análise do risco cambial e impacto sobre o prejuízo
Um aspecto central da análise do TCU foi o risco cambial. A Petrobras aceitou que o valor de venda fosse convertido a uma taxa fixa, sem cláusulas de proteção contra variações da moeda americana. O Tribunal considerou a decisão “desarrazoada”, observando que não havia justificativa técnica suficiente para explicar por que a estatal teria assumido integralmente esse risco.
Com a alta significativa do dólar entre 2016 e os anos seguintes, o valor final recebido em reais ficou muito inferior ao que seria obtido caso a conversão tivesse seguido o câmbio real no momento dos pagamentos.
O prejuízo de R$ 1,16 bilhão estimado pelo TCU está diretamente relacionado à forma como o risco cambial foi conduzido, já que a diferença entre a taxa contratual e o valor real do dólar foi absorvida pela estatal.
Problemas regulatórios e tarifários que afetaram a modelagem
Outro ponto crítico identificado pelo Tribunal foram as incertezas tarifárias. A tarifa de transporte de gás utilizada para compor o valuation da NTS ainda não havia sido aprovada pela ANP. Esse valor provisório afetou diretamente o cálculo do retorno esperado do ativo.
A demora na aprovação tarifária definitiva — que só ocorreu em 2022 — ampliou a discrepância entre o preço estimado na negociação e o valor da tarifa que passou a vigorar anos depois.
O TCU ressaltou que utilizar tarifas não confirmadas para definir o valor de um ativo desse porte gera fragilidade nas estimativas financeiras e expõe a operação a riscos que poderiam ter sido mitigados.
Por que a venda da NTS era considerada estratégica para a Petrobras
A venda da NTS ocorreu em um momento de amplo programa de desinvestimentos da Petrobras. A estatal buscava reduzir sua dívida, aumentar liquidez e se concentrar em áreas consideradas essenciais, como exploração e produção de petróleo.
A NTS integra uma malha fundamental de transporte de gás natural, conectando regiões produtoras e consumidores industriais. Sua privatização estava associada ao processo de abertura do mercado de gás natural no Brasil, impulsionado por políticas de incentivo à concorrência e redução de monopólios.Play Video
Apesar de ser um ativo estratégico, a empresa poderia atrair investidores privados dispostos a assumir a expansão da infraestrutura, o que justificava a venda. No entanto, a análise do TCU mostra que a operação não foi conduzida com o rigor esperado para um ativo de tamanha importância, tanto para o setor energético quanto para o patrimônio público.
Repercussões e recomendações para a Petrobras
Mesmo reconhecendo falhas graves, o TCU decidiu não punir gestores porque não identificou dolo ou erro grosseiro — elementos necessários para responsabilização. Ainda assim, o Tribunal fez recomendações importantes.
Entre elas, determinou melhorias na Sistemática de Desinvestimentos da estatal, com exigência de:
- Revisões críticas independentes em avaliações econômico-financeiras.
- Utilização de premissas plenamente validadas por órgãos reguladores.
- Adoção de métodos de valuation que não se baseiem em cenários hipotéticos não confirmados.
- Justificativas técnicas mais robustas quando houver uso de premissas sensíveis ou projeções incertas.
O acórdão também será encaminhado ao Congresso Nacional, reforçando a necessidade de acompanhamento permanente de operações que envolvem ativos estratégicos.
Impacto para o mercado de gás e para a infraestrutura de transportadoras
A análise do TCU afeta diretamente o debate sobre a infraestrutura de transportadoras de gás no país. A NTS é peça central para o escoamento do gás natural no Sudeste, integração com terminais e abastecimento industrial. A forma como sua venda foi conduzida gera preocupações sobre:
- Transparência nas operações envolvendo ativos essenciais.
- Modelagem regulatória baseada em tarifas provisórias.
- Riscos financeiros associados a concessões e transportadoras privadas.
Para investidores e operadores do setor, a decisão do TCU destaca a importância de avaliações técnicas rigorosas e de segurança regulatória em contratos de longo prazo.
Consequências para a governança e imagem da Petrobras
Mesmo sem penalidades diretas, a decisão traz impacto reputacional significativo. Empresas desse porte dependem de credibilidade para atrair investimentos, estruturar parcerias e negociar ativos de grande valor.
A percepção de que a modelagem foi inadequada pode gerar maior pressão interna e externa para aprimoramento das práticas de governança, com exigência de avaliações independentes, critérios mais rígidos e maior transparência em negociações futuras.
A estatal tende a reforçar seus mecanismos de controle e avaliação, especialmente porque o mercado e órgãos reguladores estarão mais atentos às operações de venda de ativos estratégicos.
Relevância do caso para o setor energético e para o patrimônio público
A análise do TCU sobre a venda da NTS pela Petrobras tem implicações que vão além da estatal. O episódio é um alerta sobre a importância da boa governança em decisões de desinvestimento, especialmente quando envolvem setores essenciais como gás natural, energia e infraestrutura.
- Falhas técnicas podem gerar prejuízos bilionários ao patrimônio público.
- Operações com ativos estratégicos exigem due diligence rigorosa, validação regulatória e metodologias financeiras robustas.
- O mercado de gás natural, em expansão, requer segurança jurídica e regulatória para atrair investimentos.
- A transparência e a fiscalização permanente são fundamentais para proteger os interesses da sociedade.
A discussão não se limita a números: envolve a qualidade das decisões que moldam o futuro energético do país. O episódio evidencia a necessidade de aprimorar processos, fortalecer instituições e garantir que ativos essenciais sejam negociados com máxima responsabilidade técnica.
Fonte https://clickpetroleoegas.com.br/