Nesta reportagem entenda como idosos podem garantir autonomia, saúde emocional e estabilidade financeira para envelhecer com dignidade.
No Brasil, chegar aos 90 anos pode ser motivo de comemoração, mas também de preocupação. O país nunca teve tantos idosos e, ao mesmo tempo, nunca se falou tanto sobre insegurança financeira, solidão e dificuldades de acesso à saúde. Envelhecer com autonomia e dignidade exige mais do que cuidados médicos, é preciso ter estabilidade emocional, planejamento financeiro e redes de apoio.
Aos 71 anos, o professor aposentado Marialvo Barreto viu seu orçamento encolher enquanto os preços subiam ano após ano. Foram oito anos sem reajuste na aposentadoria, período suficiente para sentir na pele o que ele chama de “a maior violência contra o idoso: a perda do poder de compra”. A experiência dele se insere em um cenário que o Censo 2022 deixa claro: o Brasil nunca envelheceu tão rápido. Hoje, 22,1 milhões de pessoas têm 65 anos ou mais, um salto de 57,4% em relação a 2010 quando esse contingente era de 14 milhões.
Para o geriatra Thiago Tapioca, envelhecer bem não é apenas questão de saúde física: é preciso cultivar equilíbrio mental, segurança financeira e uma rede de apoio sólida.

“A perda do equilíbrio emocional pode agravar dores no corpo sem uma causa clínica aparente, causar sintomas crônicos como fadiga, cansaço, inapetência e perda da capacidade funcional, aumentando o risco de isolamento social, ansiedade, depressão e queda da autoestima. A saúde mental influencia os comportamentos de autocuidado, hábitos alimentares, prática de atividade física, e o consumo de álcool ou tabaco. Equilibrar a saúde mental favorece a saúde física, prevenindo doenças crônicas como diabetes, doenças cardiovasculares e até câncer. Além disso, preserva a autonomia, a autoestima e a motivação, fortalecendo o sistema imunológico”, informou o médico ao Acorda Cidade.
Entre os principais fatores que comprometem a qualidade de vida desse grupo, estão a insegurança econômica, o preconceito etário e a redução das redes de apoio.
“Há a insegurança financeira, a falta de recursos, principalmente nesse período de transição para a aposentadoria, para indivíduos que não possuem reservas ou não fizeram poupança adequada. Há também o etarismo, que dificulta a recolocação de pessoas acima de 50 anos no mercado de trabalho e pode gerar insegurança, medo de fracasso e falta de apoio emocional. Além disso, observa-se a diminuição da socialização, do autocuidado, da capacidade física, da mobilidade e do equilíbrio. ”
A perda de poder de compra e o impacto na qualidade de vida
O professor aposentado Marialvo Barreto, 71 anos, reforçou esse ponto ao relatar durante entrevista ao Acorda Cidade, a sua experiência pessoal com a aposentadoria.

“O desafio muito grande para nós, aposentados, é conseguir manter o nível de vida depois da perda de renda com a aposentadoria. A idade chega, a dinâmica de trabalho muda, e isso leva a um sacrifício financeiro enorme, comprometendo a qualidade de vida. Fiquei oito anos sem reajuste, considero isso uma forma muito grave de violência contra o aposentado. Como é que tem aumento de inflação, de custo de vida e o aposentado não tem a recomposição da sua renda? Isso significa que você vai envelhecer com mais dificuldades não vai ter qualidade de vida no envelhecimento, perdendo renda e tendo que abdicar das coisas. Para mim, a violência maior que eu tenho encontrado como idoso foi justamente essa, de não ter a minha renda de aposentado acompanhando a realidade, quanto mais quando você precisa, que é na idade avançada”, externou.
O aposentado também enfatizou ao Portal Acorda Cidade sobre a importância de manter autonomia financeira.
“Na medida em que envelhecemos, os gastos aumentam e as questões de saúde se tornam mais complexas. Se não houver outra base de sustento além da aposentadoria, o idoso corre o risco de depender de filhos ou parentes, o que prejudica a independência e a qualidade de vida. Para mim, essa é a maior violência que os idosos enfrentam atualmente.”
Para Marialvo, envelhecer bem envolve saúde física, estabilidade financeira e uma rede de apoio sólida.
“Envelhecer bem, para mim, é envelhecer com saúde, dentro de um seio familiar que ofereça suporte, e com segurança financeira. A rede de familiares é fundamental, e quando há amigos para somar, melhor ainda. É muito importante ter uma rede de amigos, pois é nela que podemos falar mais abertamente das nossas necessidades, coisas que às vezes não compartilhamos em casa.”
Além disso, o professor aposentado frisou a necessidade de uma gestão pública responsável para proteger os aposentados.
“O olhar do governo para os aposentados precisa ser sensível e humanitário. O aposentado é uma pessoa idosa, e o mundo está envelhecendo. É possível aplicar bem os recursos arrecadados para garantir que os aposentados tenham uma vida digna. Fundos de pensão privados funcionam porque aplicam o dinheiro de forma eficiente; o setor público pode fazer o mesmo, desde que os recursos sejam usados corretamente e não desviados de sua finalidade.”
O desafio econômico do envelhecimento
A economista, professora, administradora e doutora em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social, Leila Oliveira destacou que o Brasil está envelhecendo muito rápido, ou seja, menos pessoas estão contribuindo e mais gente está recebendo benefícios ao mesmo tempo.

“Isso resulta numa pressão sobre a previdência social e sobre todos os programas de assistencialismo social do país. O envelhecimento reduz a taxa de crescimento potencial, muda o padrão de consumo, aumenta a demanda por saúde, medicamentos, moradia assistida e serviços financeiros e, ao mesmo tempo, caem os bens típicos usados pelos mais jovens. O resultado é menos produtividade e aumento do custo fiscal.”
Sobre a perda do poder de compra sinalizada pelo aposentado Marialvo, causada pela inflação e ausência de reajustes, a economista também comentou.
“Quando o preço das coisas sobe e a renda não acompanha, o aposentado perde poder de compra, principalmente em itens essenciais como remédio, plano de saúde, energia elétrica e alimentação saudável. Mesmo quando há reajuste previdenciário, a inflação setorial corrói a renda, forçando cortes em gastos essenciais e aumentando o endividamento.”
Planejamento financeiro e estratégias individuais
Leila Oliveira detalhou como os idosos podem se preparar para a aposentadoria e proteger seu patrimônio.
“É essencial fazer um orçamento realista, separar gastos fixos de variáveis e guardar de seis a 12 meses de despesas essenciais. Quitar dívidas com juros altos, proteger a renda e investir de forma segura, com liquidez e baixa volatilidade, como Tesouro Direto Selic e CDBs. Se houver renda complementar, considerar aluguéis, consultorias ou abrir MEI. Também é importante planejar seguro de saúde, poupança para despesas médicas e organização familiar, como testamentos e procurações preventivas.”
Mulheres na velhice: desafios e resiliência
O envelhecimento feminino apresenta desafios particulares, que diferem significativamente da experiência masculina. Leila Oliveira destacou que fatores históricos e sociais impactam diretamente a segurança financeira e a autonomia das mulheres na velhice.
“Mulheres vivem mais do que os homens, mas suas aposentadorias precisam durar mais tempo. Muitas enfrentam carreiras interrompidas por cuidado com filhos ou parentes, o que reduz a contribuição previdenciária e diminui a poupança acumulada ao longo da vida. Além disso, o chamado gap salarial [diferença salaria] leva a um patrimônio menor e aumenta o risco de insuficiência de renda na velhice. Muitas mulheres também assumem carga de cuidados não remunerados, o que agrava ainda mais essa vulnerabilidade financeira.”
A economista ressalta que essas desigualdades exigem políticas públicas direcionadas e estratégias individuais de planejamento.
“É fundamental estimular a educação financeira ao longo da vida, promover previdência complementar acessível e oferecer atendimento especializado no sistema financeiro para prevenção de golpes. Regras previdenciárias mais claras, saúde preventiva acessível, programas de produtividade e renda, moradia assistida, transporte acessível, combate ao etarismo e requalificação profissional. Um plano nacional de envelhecimento que integre saúde, assistência, moradia e trabalho é essencial para reduzir custos hospitalares e proteger a população idosa. Também é necessário incentivar a requalificação profissional e a inclusão de mulheres em atividades econômicas na melhor idade, garantindo independência financeira e autonomia social.”
Envelhecer com autonomia: a perspectiva feminina
Para muitas mulheres, o envelhecimento é um período de redescoberta e resiliência. Cacilda Miranda da Silva, 76 anos, aposentada e ex-coordenadora do programa Universidade Aberta à Terceira Idade da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), compartilha sua experiência de vida e visão sobre envelhecer bem.
Dona Cacilda também foi presidente do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa Idosa de Feira de Santana por quatro mandatos, exercendo o cargo por oito anos e participa ativamente de atividades acadêmicas, conferências e associações ligadas à gerontologia.

A idosa pontuou que, apesar do olhar da sociedade associar a velhice à doença, existem exemplos de envelhecimento bem-sucedido com bem-estar e participação social.
“Fazendo uma retrospectiva do meu passado, me considero uma vitoriosa. Não aceitei ter baixa autoestima, guardar mágoas ou ressentimentos. Caminhei com firmeza e atitudes positivas, me envolvendo em atividades que me davam alegria e força, como esportes, viagens, dança, brincadeiras e muita dedicação.”
Fonte https://www.acordacidade.com.b